Reino: O paradigma de Jesus
(parte 1)
por Rodrigo Walicoski Carvalho
por Rodrigo Walicoski Carvalho
Teologia é a ciência de Deus. “Teologar”
é pensar a respeito de Deus com padrões humanos, ou seja, a partir de nossa
inteligência, raciocínio, lógica, etc. As “teologias” são oriundas de mentes científicas
interessadas em entender mais a respeito da natureza de Deus, Seu propósito,
Sua vontade. Mas, o que poucos teólogos se dão conta, é que toda estrutura
teológica, para ser cientificamente aceita precisa ser desenvolvida a partir
dos mesmos pressupostos científicos da inteligência humana. Isso significa que
a teologia também tem suas premissas, seus pressupostos, suas proposições.
Mesmo que sejam premissas “espirituais”, para que sejam racionalmente válidas,
precisam seguir rigidamente os padrões da lógica.
Entender uma ciência (teologia) é
penetrar em seus mecanismos, conhecer sua prática e seu funcionamento. Foi a
partir deste exercício que o filósofo Thomas Kuhn compreendeu os mecanismos
internos das ciências. Para ele toda ciência evolui a partir de “paradigmas”. Segundo
ele “paradigmas são as realizações cientificas
universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornece problemas e
soluções modelares para uma comunidade de praticantes de uma ciência”[1]
(Kuhn, 1991, p.13). A física de Aristóteles foi aceita por mais de mil
anos, sendo um paradigma para esta ciência. Isaque Newton lançou novos
paradigmas que perduraram até os tempos de Einstein. Toda ciência evolui desta
forma e a teologia não tem um status diferente neste quesito.
Por muito tempo, a igreja
aprendeu que o paradigma de interpretação das Escrituras é a cruz de Cristo. A
cruz se tornou o assunto mais importante da bíblia, pois foi por intermédio
dela que tivemos restaurada a nossa comunhão com Deus. A cruz de Cristo foi
demasiadamente pregada, anunciada, evangelizada como a principal obra de Jesus
quando veio a terra. O ensino da cruz se tornou fundamental, e mais, se tornou
o paradigma hermenêutico e chave de interpretação de toda a bíblia. A cruz se
tornou o fim, o propósito, a solução a resposta para todo entendimento da
revelação e da vontade de Deus para os homens.
Foram vários os fatores que
motivaram elevar a cruz como o paradigma de interpretação das Escrituras. Nos
principais manuais de teologia ou nas mais conhecidas dogmáticas do meio
evangélico, o paradigma da cruz foi veementemente ensinado. Você encontra
vários compêndios de teologia e várias obras de teologia sistemática com
títulos e subtítulos organizados a partir do paradigma da cruz. Há uma
variedade muito grande de estudos, artigos e ensinos dispersos que de alguma
forma tem como eixo doutrinário a teologia da cruz. Grande parte dos pastores e
teólogos formados nas décadas de 40 à 90 no Brasil, foram doutrinados com uma
mensagem essencialmente comprometida com a teologia da cruz.
Estou relatando a respeito do que
eu percebi na prática, ouvindo sermões, lendo artigos e estudando em livros
teológicos que estão dispostos nas estantes de nossos seminários e faculdades
teológicas. Mas, quando fazemos uma pesquisa histórica, e nos aprofundamos na
história da teologia, nós percebemos que o fio desta meada avança a centenas e
centenas de anos atrás. O assunto é tão vasto quanto antigo e a análise precisa
ser tão estrutural quanto paradigmática. O olhar teológico que fazemos ao
passado nos revela que poucos quiseram tocar neste assunto por se tratar de um
tema “absoluto” e relativamente “delicado” para a igreja. Nada mais normal
quando se trata de um “paradigma”. De que modo poderíamos pensar diferente?
Como a igreja poderia pensar diferente se este sempre foi o paradigma da história
da igreja? Mas, este foi verdadeiramente o paradigma de Jesus? Se não foi,
porque é o paradigma da igreja? Em que momento da história da igreja precisamos
retroceder para entender a origem deste paradigma?
Num primeiro momento, parece
inevitável considerar o teólogo Martinho Lutero como o grande responsável pela
fundamentação estrutural da teologia da cruz. Afinal de contas, qualquer
estudante de teologia sabe que a “teologia da cruz” de Lutero foi a principal
contribuição que ele deu à história da teologia e à história da igreja. Temos
que concordar que a teologia da cruz é o paradigma hermenêutico de toda a
teologia de Lutero e que foi ele o responsável por consolidar esse paradigma na
história da teologia. O que não podemos concordar é que esse paradigma foi
inaugurado por Lutero. Antes dele, a igreja Romana já havia sacralizado o
paradigma da cruz em sua teologia litúrgica e simbólica. A cruz já representava
a essência do cristianismo desde os mártires e principalmente por causa deles. A
experiência do martírio contribuiu fortemente para a aceitação da cruz nos
sistemas teológicos mais antigos. A igreja Romana tinha inúmeros motivos para
manter a cruz como eixo de sua teologia dogmática. Foi principalmente o teólogo
alexandrino Orígenes o responsável por adotar a cruz como chave de
interpretação das Escrituras. Depois dele, Agostinho e outros teólogos
colocaram a cruz em papel de destaque na teologia. Não é difícil perceber na
história da igreja a grande influência que a cruz exerceu na dogmática
católica.
No catolicismo, o dogma em torno
da cruz possibilitou a igreja exercer grande domínio e alienação. Se a cruz é a
finalidade e propósito de todo cristão, então o que resta para a cristandade nessa
vida é padecer como Cristo padeceu. Na igreja protestante não mudou muita
coisa. Lutero vai mais fundo nesta questão quando afirma que só se pode
conhecer a Deus pelo sofrimento. Para
Lutero “pelo fato de os homens usarem errado o conhecimento de Deus que eles
obtiveram por suas obras, Deus determinou que seria conhecido pelos sofrimentos”[2].
Deste ponto de vista a teologia da cruz sustenta sua doutrina na premissa que todo ser humano salvo, deve permanecer na terra para sofrer, conforme Cristo sofreu, e este é o único modo viável para conhecer a Deus na experiência pessoal. Isso significa que, na terra, um regenerado precisará sofrer se quiser acumular riquezas nos céus. A única promessa valorosa para a terra é o sofrimento. Toda promessa positiva para a igreja é para um céu metafísico que não tem
nenhuma relação com a vida na terra. Segundo o paradigma da cruz, o Reino de
Deus é entendido como uma realidade posterior, um estado pós-morte e jamais com
uma realidade presente fisicamente na terra. Logo, esta vida não tem mais
nenhum propósito senão a assimilação de todas as mazelas a que a terra está submetida, em todos os sentidos. Não há promessa a
se concretizar na terra para a igreja. É nesta premissa que se fundamenta o apelo: - Aceite a Jesus como seu salvador e garanta seu lugar no céu. Fora isso, não dá
pra garantir nada, apenas sofrimento...(continua)