quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

REINO, O PARADIGMA DE JESUS (parte 1)



Reino: O paradigma de Jesus (parte 1)
por Rodrigo Walicoski Carvalho

Teologia é a ciência de Deus. “Teologar” é pensar a respeito de Deus com padrões humanos, ou seja, a partir de nossa inteligência, raciocínio, lógica, etc. As “teologias” são oriundas de mentes científicas interessadas em entender mais a respeito da natureza de Deus, Seu propósito, Sua vontade. Mas, o que poucos teólogos se dão conta, é que toda estrutura teológica, para ser cientificamente aceita precisa ser desenvolvida a partir dos mesmos pressupostos científicos da inteligência humana. Isso significa que a teologia também tem suas premissas, seus pressupostos, suas proposições. Mesmo que sejam premissas “espirituais”, para que sejam racionalmente válidas, precisam seguir rigidamente os padrões da lógica.

Entender uma ciência (teologia) é penetrar em seus mecanismos, conhecer sua prática e seu funcionamento. Foi a partir deste exercício que o filósofo Thomas Kuhn compreendeu os mecanismos internos das ciências. Para ele toda ciência evolui a partir de “paradigmas”. Segundo ele “paradigmas são as realizações cientificas universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornece problemas e soluções modelares para uma comunidade de praticantes de uma ciência”[1] (Kuhn, 1991, p.13). A física de Aristóteles foi aceita por mais de mil anos, sendo um paradigma para esta ciência. Isaque Newton lançou novos paradigmas que perduraram até os tempos de Einstein. Toda ciência evolui desta forma e a teologia não tem um status diferente neste quesito.

Por muito tempo, a igreja aprendeu que o paradigma de interpretação das Escrituras é a cruz de Cristo. A cruz se tornou o assunto mais importante da bíblia, pois foi por intermédio dela que tivemos restaurada a nossa comunhão com Deus. A cruz de Cristo foi demasiadamente pregada, anunciada, evangelizada como a principal obra de Jesus quando veio a terra. O ensino da cruz se tornou fundamental, e mais, se tornou o paradigma hermenêutico e chave de interpretação de toda a bíblia. A cruz se tornou o fim, o propósito, a solução a resposta para todo entendimento da revelação e da vontade de Deus para os homens.

Foram vários os fatores que motivaram elevar a cruz como o paradigma de interpretação das Escrituras. Nos principais manuais de teologia ou nas mais conhecidas dogmáticas do meio evangélico, o paradigma da cruz foi veementemente ensinado. Você encontra vários compêndios de teologia e várias obras de teologia sistemática com títulos e subtítulos organizados a partir do paradigma da cruz. Há uma variedade muito grande de estudos, artigos e ensinos dispersos que de alguma forma tem como eixo doutrinário a teologia da cruz. Grande parte dos pastores e teólogos formados nas décadas de 40 à 90 no Brasil, foram doutrinados com uma mensagem essencialmente comprometida com a teologia da cruz.

Estou relatando a respeito do que eu percebi na prática, ouvindo sermões, lendo artigos e estudando em livros teológicos que estão dispostos nas estantes de nossos seminários e faculdades teológicas. Mas, quando fazemos uma pesquisa histórica, e nos aprofundamos na história da teologia, nós percebemos que o fio desta meada avança a centenas e centenas de anos atrás. O assunto é tão vasto quanto antigo e a análise precisa ser tão estrutural quanto paradigmática. O olhar teológico que fazemos ao passado nos revela que poucos quiseram tocar neste assunto por se tratar de um tema “absoluto” e relativamente “delicado” para a igreja. Nada mais normal quando se trata de um “paradigma”. De que modo poderíamos pensar diferente? Como a igreja poderia pensar diferente se este sempre foi o paradigma da história da igreja? Mas, este foi verdadeiramente o paradigma de Jesus? Se não foi, porque é o paradigma da igreja? Em que momento da história da igreja precisamos retroceder para entender a origem deste paradigma?

Num primeiro momento, parece inevitável considerar o teólogo Martinho Lutero como o grande responsável pela fundamentação estrutural da teologia da cruz. Afinal de contas, qualquer estudante de teologia sabe que a “teologia da cruz” de Lutero foi a principal contribuição que ele deu à história da teologia e à história da igreja. Temos que concordar que a teologia da cruz é o paradigma hermenêutico de toda a teologia de Lutero e que foi ele o responsável por consolidar esse paradigma na história da teologia. O que não podemos concordar é que esse paradigma foi inaugurado por Lutero. Antes dele, a igreja Romana já havia sacralizado o paradigma da cruz em sua teologia litúrgica e simbólica. A cruz já representava a essência do cristianismo desde os mártires e principalmente por causa deles. A experiência do martírio contribuiu fortemente para a aceitação da cruz nos sistemas teológicos mais antigos. A igreja Romana tinha inúmeros motivos para manter a cruz como eixo de sua teologia dogmática. Foi principalmente o teólogo alexandrino Orígenes o responsável por adotar a cruz como chave de interpretação das Escrituras. Depois dele, Agostinho e outros teólogos colocaram a cruz em papel de destaque na teologia. Não é difícil perceber na história da igreja a grande influência que a cruz exerceu na dogmática católica.

No catolicismo, o dogma em torno da cruz possibilitou a igreja exercer grande domínio e alienação. Se a cruz é a finalidade e propósito de todo cristão, então o que resta para a cristandade nessa vida é padecer como Cristo padeceu. Na igreja protestante não mudou muita coisa. Lutero vai mais fundo nesta questão quando afirma que só se pode conhecer a Deus pelo sofrimento.  Para Lutero “pelo fato de os homens usarem errado o conhecimento de Deus que eles obtiveram por suas obras, Deus determinou que seria conhecido pelos sofrimentos”[2]. Deste ponto de vista a teologia da cruz sustenta sua doutrina na premissa que todo ser humano salvo, deve permanecer na terra para sofrer, conforme Cristo sofreu, e este é o único modo viável para conhecer a Deus na experiência pessoal. Isso significa que, na terra, um regenerado precisará sofrer se quiser acumular riquezas nos céus. A única promessa valorosa para a terra é o sofrimento. Toda promessa positiva para a igreja é para um céu metafísico que não tem nenhuma relação com a vida na terra. Segundo o paradigma da cruz, o Reino de Deus é entendido como uma realidade posterior, um estado pós-morte e jamais com uma realidade presente fisicamente na terra. Logo, esta vida não tem mais nenhum propósito senão a assimilação de todas as mazelas a que a terra está submetida, em todos os sentidos. Não há promessa a se concretizar na terra para a igreja. É nesta premissa que se fundamenta o apelo: - Aceite a Jesus como seu salvador e garanta seu lugar no céu. Fora isso, não dá pra garantir nada, apenas sofrimento...(continua)




[1] Kuhn, Tomas. Estrutura das Revoluções Científicas.
[2] LUTERO, Martinho. Obras selecionadas.